Ontem li duas intervenções extraordinárias, que me surpreenderam pela negativa, sobre a crise financeira internacional. A primeira pode ser lida na edição on-line da TSF e foi feita presidente da associação Portuguesa de Bancos (APB).
Segundo João Salgueiro, fica-se a saber que o endividamento das famílias com encargos financeiros começa com a pouca resistência das mesmas a campanhas de publicidade e com a proverbial cultura do “desenrasca” dos portugueses. Sendo português, até posso concordar em parte com estas justificações. Agora o que é extraordinário é ler-se esta entrevista e ficar-se com a sensação de que os bancos e o sistema financeiro no geral não têm nada a ver com o assunto. Não! Eles apenas fazem negócios. Business! O resto, isto é, avaliar, antes de conceder um crédito, se uma família tem ou não capacidade de resolver os seus encargos futuros, é só com as famílias. Aliás, se situações dessas acontecem em larga escala é só porque as mesmas têm falta de "miolo" no cérebro e não sabem ver as coisas como elas são. Extraordinário este sacudir a água do capote…
A segunda é o editorial do jornal Público de ontem. Nela fiquei a saber, qual o meu espanto, que o resultado da crise internacional tem raízes profundas em legislação capciosa produzida por presidentes democratas (que vão desde Roosevelt até Clinton, passando por Jimmy Carter…), no facto das empresas Fannie Mae e Freddie Mac serem “altruístas” em virtude dessa mesma legislação e concederem (pecado dos pecados!) créditos a quem menos precisam e na falta de “competência” das autoridades monetárias em resistirem a tentações políticas de oferecer um "festim" de dinheiro barato. Extraordinário, uma vez mais. Tenho o Público e os seus editoriais em muito boa conta. Mas desta vez surpreendeu-me o tom fundamentalista e quase pedante do editorial.
E já agora, o que é que as duas intervenções têm de comum? A ideia de que os problemas só acontecem porque as pessoas são estúpidas, porque não sabem ou não querem saber os perigos financeiros em que se metem, porque não abriram os olhos e que quem esteve a ganhar dinheiro (até há bem pouco tempo) com a voragem financeira que existia à volta do mercado imobiliário não tem nada a ver com o assunto… Extraordinário, não?
2 comentários:
Curiosamente, ontem a seguir ao jogo, falei com o Romão sobre isto. Trabalhando na área da defesa do consumidor, muitas vezes sou confrontado com uma visão tendenciosa para o lado dos clientes bancários. Nestes casos, dizem-me que estes são pouco lúcidos e formados quanto aos produtos que adquirem e, mais especificamente, no caso dos créditos. Acredito. Mas não se podem livrar da responsabilidade de saberem quais os montantes disponíveis do seu rendimento, calculando o seu orçamento. Durante estes anos todos, as famílias sempre souberam gerir os seus orçamentos. Agora que há técnicas de marketing agressivas, não se pode dizer que são elas as únicas culpadas.
Concordo também que as entidades financeiras devem ser responsáveis, não oferecendo créditos sem a devida precaução (avaliando as capacidades de crédito e com taxas de juro realistas), nem induzirem ao endividamento desenfreado. É uma indústria cujo objectivo é o lucro, mas esta não é uma área sem responsabilidade social e é aqui que as coisas se tornam complicadas.
Precisamente, a frase "responsabilidade social" não existe para muitos. É tudo uma questão individual. É aí onde se sacode a água do capote.
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